A vida mudou — e o Direito de Família e Sucessões precisou acompanhar essa transformação.
Hoje, conflitos envolvendo guarda de filhos, pensão alimentícia e herança passam, quase sempre, pelo mundo digital: redes sociais, aplicativos de mensagem, bancos digitais, criptomoedas, arquivos em nuvem e perfis em plataformas diversas.
Quando um relacionamento termina, ou quando alguém da família falece, surgem novas perguntas: até onde os pais podem expor os filhos nas redes? Como calcular pensão de quem ganha de forma informal? O que acontece com contas e bens digitais na herança?
Neste artigo, vamos abordar esses três pontos, mostrando como o Direito tem lidado com essas situações e quando é importante buscar orientação jurídica.
1. Guarda compartilhada e exposição de crianças nas redes sociais
A guarda compartilhada é, hoje, a regra no Direito brasileiro. A ideia central é que pai e mãe participem ativamente da vida da criança, mesmo que não morem juntos. Na prática, porém, as redes sociais trouxeram novas formas de conflito.
Não são raros os casos em que um dos genitores passa a usar fotos, vídeos e áudios da criança para atacar o outro, expor brigas ou tentar “provar” quem é o melhor pai ou mãe. Em algumas situações, o próprio menor é colocado para gravar vídeos ou mensagens contra o outro genitor, que depois são divulgados em processos ou até em perfis públicos.
Esse tipo de conduta pode violar o melhor interesse da criança, causar danos emocionais e caracterizar, em certos casos, alienação parental, quando um dos pais tenta colocar o filho contra o outro. O foco da análise judicial, nesses casos, não é agradar pai ou mãe, mas proteger a integridade emocional, psicológica e social da criança.
Quando há abuso na exposição nas redes, o Judiciário pode, por exemplo, determinar que os pais evitem falar do processo em público, restringir certas condutas, exigir acompanhamento psicológico ou, em situações mais graves, rever o regime de guarda e convivência. Por isso, é fundamental que o genitor que se sente lesado registre as provas de forma organizada (links, prints, áudios, vídeos) e procure um advogado para avaliar a estratégia adequada.
2. Pensão alimentícia em tempos de renda informal e instável
Outro tema bastante atual é a fixação e revisão da pensão alimentícia em um cenário em que cada vez mais pessoas trabalham como autônomas, prestam serviços por aplicativo ou têm renda variável e informal. Na prática, isso significa que muitos genitores não possuem holerite ou carteira assinada, mas mantêm um padrão de vida elevado, com veículos, viagens, consumo de luxo e movimentações bancárias relevantes.
Em muitos processos, o devedor de alimentos alega renda baixa ou dificuldade financeira, ao mesmo tempo em que demonstra, nas redes sociais e nas próprias movimentações bancárias, uma realidade diferente. O filho, porém, não pode ser prejudicado pela forma como o responsável organiza – ou desorganiza – a própria vida financeira.
A pensão deve observar o conhecido binômio necessidade x possibilidade: as necessidades do menor (alimentação, saúde, educação, moradia, lazer básico) e as reais possibilidades de quem paga. Hoje, o Judiciário admite, com maior naturalidade, o uso de provas digitais e financeiras, como extratos bancários, faturas de cartão, movimentações via PIX, dados fiscais e até publicações em redes sociais para demonstrar o verdadeiro padrão de vida do genitor.
Se o responsável realmente tiver dificuldades concretas, o caminho jurídico correto não é simplesmente deixar de pagar, mas propor acordo ou ação de revisão de alimentos, demonstrando a mudança na capacidade financeira. Permanecer inadimplente pode levar à execução de alimentos e até à prisão civil, em hipóteses específicas previstas em lei.
3. Herança digital: o que acontece com os bens virtuais?
A chamada herança digital é outro tema que tem se tornado cada vez mais presente. Quando alguém falece, não deixa apenas casa, carro e dinheiro em conta bancária. Em muitos casos, há também:
- contas em redes sociais e plataformas;
- arquivos importantes armazenados em nuvem;
- saldos em bancos digitais e carteiras virtuais;
- investimentos em plataformas online e criptomoedas;
- canais monetizados, blogs, perfis profissionais.
Do ponto de vista jurídico, costuma-se distinguir o que tem valor patrimonial (saldos, investimentos, criptomoedas, receitas de canais, por exemplo) daquilo que é conteúdo estritamente pessoal, como mensagens íntimas e determinados dados sensíveis. Os bens digitais com conteúdo econômico, em regra, podem e devem ser incluídos no inventário, pois integram o patrimônio do falecido.
Já o acesso a conversas privadas, e-mails e determinados dados pessoais pode envolver direitos de personalidade, intimidade e sigilo, o que exige análise mais cuidadosa, além do respeito às políticas de cada plataforma. Algumas empresas já possuem regras específicas sobre perfis de pessoas falecidas, contas memorializadas e procedimentos para familiares.
Diante desse cenário, o planejamento sucessório ganha uma nova camada: é possível, por exemplo, estabelecer em testamento instruções sobre o que deve ser feito com certos perfis, quais pessoas poderão acessar determinados arquivos, quem ficará responsável por administrar canais, domínios e bens digitais, e até como as chaves de acesso a carteiras de criptomoedas serão transmitidas com segurança.
Essa organização é importante para evitar conflitos entre herdeiros, perdas irreversíveis de valores mantidos apenas em ambiente digital e uso indevido da imagem e memória do falecido.
O papel da advocacia nesses novos conflitos
Com todas essas mudanças, a atuação do advogado de Família e Sucessões tornou-se mais ampla e estratégica. É cada vez mais importante:
- Orientar preventivamente casais, famílias e empreendedores sobre guarda, convivência, exposição de crianças, divisão de despesas, organização patrimonial e herança digital;
- Analisar provas digitais com critério, evitando abusos e garantindo que o material seja apresentado de forma adequada ao processo;
- Planejar a sucessão de forma completa, incluindo bens físicos e digitais, para reduzir riscos de litígios e perda de patrimônio.
Para quem está enfrentando conflitos de guarda com exposição nas redes, dificuldades na pensão alimentícia ou dúvidas sobre como lidar com contas digitais e ativos virtuais após um falecimento, a orientação técnica é essencial. Cada caso tem particularidades, e uma estratégia bem pensada pode fazer toda a diferença na proteção dos filhos, do patrimônio e da própria tranquilidade familiar.
Assessoria de imprensa
Ryzy Advogados Associados
OAB/PR 11.914