A impenhorabilidade é uma das principais salvaguardas patrimoniais do cidadão. Ela impede que determinados bens — por sua função social — sejam tomados para pagamento de dívidas.
No Brasil, dois pilares sustentam esse regime: (1) a proteção do bem de família prevista na Lei 8.009/90 e (2) a tutela especial da pequena propriedade rural trabalhada pela família, prevista no CPC/2015 e na Constituição.
1) Bem de família (Lei 8.009/90): quem está protegido
O que é
É o imóvel residencial próprio utilizado como moradia da entidade familiar. A proteção alcança tanto famílias quanto pessoas que vivem sozinhas: a jurisprudência consolidada afirma expressamente que solteiros, separados e viúvos também estão cobertos.
Vale mesmo se o imóvel estiver alugado?
Sim, quando o único imóvel do devedor está locado a terceiros, a proteção permanece desde que a renda do aluguel seja revertida para a própria moradia ou subsistência da família. Esse entendimento está pacificado na jurisprudência sumulada do STJ.
E a vaga de garagem com matrícula própria?
Os tribunais vêm distinguindo a vaga autônoma: quando tem matrícula própria, ela não integra automaticamente o bem de família para fins de impenhorabilidade.
Exceções clássicas
A Lei 8.009/90 lista hipóteses em que a proteção cede (por exemplo, dívidas de condomínio, tributos do próprio imóvel e alimentos). Além disso, a jurisprudência superior admite a penhora do bem de família do fiador de contrato de locação, entendimento que se aplica às locações residenciais e comerciais.
2) Imóvel rural: duas camadas de proteção
Há dois regimes que podem coexistir:
2.1. Moradia em imóvel rural (bem de família “rural”)
Se a casa de moradia da família está localizada no campo, a Lei 8.009/90 também se aplica. Os tribunais reconhecem a proteção do imóvel rural naquilo que se presta à residência da família, ainda que existam outras porções destinadas à produção ou até outro imóvel de menor valor usado para renda.
2.2. Pequena propriedade rural trabalhada pela família (CPC, art. 833, VIII)
Além da moradia, o CPC/2015 declara impenhorável a pequena propriedade rural (até 4 módulos fiscais, conforme a lei agrária), desde que efetivamente trabalhada pela família. Pontos firmados pelos tribunais e pelo STJ:
- Exige prova de exploração familiar. Para invocar a proteção, o devedor deve demonstrar que a área é, de fato, explorada pela entidade familiar (ônus que não pode ser invertido para o credor). Esse entendimento foi reafirmado em julgamento repetitivo do STJ.
- Independência da origem da dívida. A proteção tem caráter existencial: visa garantir a subsistência e a continuidade do núcleo familiar rural. A leitura atual prestigia a impenhorabilidade como regra robusta, não limitada a débitos “do próprio ciclo produtivo”, desde que presente a exploração familiar.
- Hipoteca e garantias reais. Ganha força a tese de que, sendo pequena e trabalhada pela família, a propriedade mantém a proteção mesmo diante de garantias reais; o debate existe, mas a orientação protetiva prevalece no STJ. Em todo caso, o ponto decisivo volta a ser a comprovação da condição de pequena propriedade e da exploração familiar.
3) Como os Tribunais e juízes têm decidido
- Ampliação do conceito de “família”: a proteção alcança quem vive só, evitando leituras restritivas.
- Renda de aluguel preserva a moradia: se o único imóvel está alugado e a renda mantém a residência/subsistência, a impenhorabilidade é reconhecida.
- Fiador de locação: admitida a penhora do bem de família do fiador, inclusive em contratos comerciais, entendimento que harmoniza a Lei 8.009/90 com a função social da garantia locatícia.
- Pequena propriedade rural: o STJ reforçou, em julgamento repetitivo, que cabe ao devedor provar a exploração familiar para afastar a penhora — ponto crucial em execuções cíveis e fiscais.
4) Documentos e provas que fazem diferença
Para bem de família (urbano ou rural – moradia):
- Comprovantes de residência e contas vinculadas ao imóvel;
- Certidão de matrícula atualizada (para verificar unicidade e averbações);
- Se alugado: contrato de locação e prova de destinação da renda à moradia/subsistência.
Para pequena propriedade rural (CPC, art. 833, VIII):
- Certidão de matrícula com área total (até 4 módulos fiscais conforme o município);
- Notas de produtor, cadastros rurais (CAF/CCIR/CAR), ITR, comprovantes de aquisição de insumos;
- Fotografias, contratos de parceria, declarações de vizinhos/trabalhadores que evidenciem a exploração familiar (ônus do devedor, segundo o repetitivo do STJ).
5) Perguntas frequentes
Tenho dois imóveis, um de moradia e outro menor para renda. Posso proteger os dois?
A regra protege o imóvel de moradia. A jurisprudência admite situações específicas para o imóvel único alugado (quando a renda garante a subsistência/moradia), mas não estende automaticamente a todos os imóveis do devedor.
E a vaga de garagem com matrícula própria?
Não integra automaticamente o bem de família; pode ser penhorada separadamente.
Sou fiador: meu único imóvel pode ser penhorado?
Sim, a posição dos tribunais superiores admite a penhora do bem de família do fiador, inclusive em locações comerciais.
No sítio da família, a casa é protegida mesmo se a área total for grande?
A moradia recebe a proteção da Lei 8.009/90. Já a proteção integral da área produtiva exige que se trate de pequena propriedade rural trabalhada pela família (até 4 módulos fiscais) — com prova dessa exploração.
6) Boas práticas processuais para sustentar a impenhorabilidade
- Junte logo os documentos certos (matrícula, comprovantes de residência/renda; no rural, CCIR/CAF/ITR, notas de produtor).
- Peça prova oral/local quando necessário (vizinhança, extensão produtiva, uso familiar).
- Destaque a finalidade social: moradia e subsistência são bens jurídicos qualificados — a execução deve preservar o mínimo existencial e a função social da propriedade.
Conclusão
A impenhorabilidade do bem de família e da pequena propriedade rural trabalhada pela família não é um “atalho” para fraudar credores; é política pública de proteção da moradia e da economia familiar. Os tribunais — especialmente o STJ — vêm uniformizando critérios: ampliam a tutela da moradia (inclusive para quem vive só e para o único imóvel alugado que sustenta a família), exigem prova séria da exploração familiar no campo e, ao mesmo tempo, preservam exceções específicas, como a responsabilidade do fiador em locações.
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